Sabemos inicialmente, que a celebração do Natal, em 25 de
dezembro, não tem sentido cronológico e histórico, mas comemorativo
e simbólico. Sua datação provavelmente se deve à influência da festa romana e
pagã do “deus-sol-invisível” introduzida pelo imperador Aureliano, no ano de
274, e que incluía sua observância para todo o Império, em honra do deus-sol
sírio de Emesa, fixada então no solstício de inverno, ou seja, 25 de dezembro.
Seu conteúdo e sua datação (solstício de inverno) referia-se ao “dies natalis
solis invictus”, ou seja, “dia de nascimento do sol invicto”. A datação
solsticial de inverno, como se vê, situa a festa no Hemisfério Norte, pois no
Hemisfério Sul nós nos encontramos em pleno solstício de verão.
Para orientar os cristãos naquele contexto contra uma
possível força de atração da festa pagã, a Igreja houve por bem instituir a
festa do nascimento do Senhor na mesma data, podendo alegar, como embasamento
bíblico, que a
própria Escritura do Antigo Testamento já chamava o Redentor de “Sol da
justiça” (cf. Ml 3,20). Também o
próprio Cristo dá a si mesmo o título de “luz do mundo” (cf. Jo 8,12), e no Prólogo de João (1,9) diz-se que ele
veio ao mundo “como a luz verdadeira que ilumina todo homem”. Assim
é que, como provam alguns calendários, em 25 de dezembro de 336 a festa do nascimento do Senhor
já era celebrada em Roma. Deve-se ainda observar que a datação pela
Igreja da celebração do Natal nos solstícios se dá porque, nestes tempos, os
dias começam a crescer, e o sol, parecendo exausto e exangue, depois de uma
longa marcha anual, renasce vivo e surpreendente, o que nos parece ricamente
simbólico. Diga-se então que o Natal não guarda relação com o conteúdo da festa
romana, mas simplesmente com o sentido da data solsticial.
É neste contexto, pois, do "Sol Invicto",
solsticial, que vai aparecer na face da Terra "o verdadeiro Sol
nascente" (cf. Lc 1,78),
isto é, Cristo Jesus nosso Senhor, e a antífona da Liturgia das Horas, da I
Vésperas do dia 25 de dezembro, inspirando-se no Sl 19[18],5b-6-7, na sua
realidade cósmico-histórico-salvífica, vai cantar belamente: "Quando o sol
sair, vereis o Rei dos reis que vem do Pai, como o esposo sai da sua câmara
nupcial".
A Solenidade do Natal do Senhor é a celebração principal
de todo o ciclo natalino. Constitui
portanto o seu centro, ou seja, o seu cerne vital. Cristo nasce em Belém da
Judéia, em noite fria (inverno-Norte), mas traz do céu o calor vitalizante
(verão-Sul) da santidade de Deus, em mensagem de paz dirigida sobretudo aos
pobres, com quem se identifica mais plenamente, cumulando-os das riquezas do
Reino. É uma "noite feliz", como o povo gosta de cantar, noite que
sinaliza para aquela outra noite, fulgurante, da Sagrada Vigília Pascal do
Sábado Santo, onde as trevas são dissipadas definitivamente pela luz do Cristo
Ressuscitado, simbolizada pelo círio. No mistério da Encarnação, saibamos, já
brilha então a luz, apontando para a vitória do Senhor em seu Mistério Pascal.
Na missa da noite, iniciando a Liturgia da Palavra, Isaías
profetiza o nascimento de um Príncipe, que será luz para o povo envolvido nas
trevas, e o salmo vai convidar-nos a cantar um canto novo ao Senhor. Já São
Paulo, com sua sensibilidade apostólica, vai dizer-nos que “A graça de Deus
se manifestou trazendo salvação para todos os homens”, “graça” aqui
entendida não como simples benefício, mas como dom celeste, Pessoa
divina, pois o Verbo, “Gerado antes dos tempos, entrou na história da
humanidade para erguer o mundo decaído” (cf. Prefácio II), tornando-se carne e
habitando entre nós. No Natal se dá, pois, a união hipostática, ou seja, a
natureza divina se une à natureza humana, numa só pessoa, a pessoa do Filho de
Deus, Verbo Encarnado (cf. Jo 1,14), mistério que transcende a compreensão
humana. É pura humildade de Deus e pura gratuidade do amor divino.
É riquíssima, pois, a Liturgia nas três missas do Natal. Ela
nos ensina que Deus é sempre aliado dos pobres, nasce para eles (“Nasceu-vos
hoje...”), como revelam os anjos aos pastores em Belém. Anjos e pastores,
podemos dizer, simbolizam o Céu e a Terra na adoração ao Senhor. Assim, as
palavras provisórias da história da salvação cedem lugar à Palavra definitiva,
e esta se torna existência humana no Filho encarnado, o “tudo” de Deus como
manifestação divina. Devemos, pois, celebrar o Natal não com o espírito do
mundo consumista e excludente, mas com o coração de pobres, transbordante da
paz de Deus e crescido na vida de partilha, de justiça e de comunhão no amor.
Há uma diferença de acento cristológico nas três missas do
Natal: na missa da noite e na da aurora, a Liturgia enfatiza mais o
despojamento, a kênose do Messias, enquanto a missa do dia acentua mais uma
cristologia da glória, explicada pela preexistência do Filho de Deus, como se
vê em Hb 1,1-6 (2ª leitura) e em Jo (Evangelho). Unindo os dois acentos,
podemos perceber uma única cristologia: Cristo é, na verdade, o servo fiel ao
Pai, o humilde filho do carpinteiro, servidor de todos, identificado com os
pobres, mas é, ao mesmo tempo, o Rei soberano de todos os povos e de toda a
história, o Alfa e o Ômega, o Kyrios de Deus.
Uma observação: a Solenidade do Natal é prolongada liturgicamente com a
sua oitava, isto é, com os oito dias seguintes, encerrando-se no dia primeiro
de janeiro com a Solenidade da Santa Mãe de Deus.
Texto: Pe. Raimundo Santana
Fonte: Diocese de Campo
Mourão
diocesecampomourao.com.br/colunista/coluna/18/59/Solenidade_do_Natal_do_Senhor.html
Foto retirada da internet
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