Nestes dias de Quaresma, queremos renovar a nossa fé através
de uma vida penitencial mais intensa, aproveitando os temas que a liturgia nos
oferece, com
orações mais frequentes, jejuns e, sobretudo, uma vida de caridade mais
aplicada a fraternidade.
A penitência e a prática que nos impomos, em primeiro lugar,
não são exclusivas deste tempo. Toda a nossa vida deve ser imbuída deste
espírito se quisermos seguir a Cristo. A ascese faz parte de nossa caminhada
espiritual. Porém, para vencer a inconstância, que é característica do ser
humano, são importantes tempos fortes para retemperar a nossa vontade através
de uma inteligência do mistério da cruz redentora. É um tempo de retomar com
mais vigor essa caminhada ascética.
Nascidos no pecado e na concupiscência, como nos lembra o
salmista {salmo 51 (50)}: “Eis que nasci na iniquidade, minha mãe concebeu-me no
pecado", somente a conversão pode restituir-nos a vida, integrando-nos no
Reino da Graça.
A penitência é esse dom que recebemos e respondemos com
nosso esforço, que temos de fazer para vencer as fraquezas da carne, para
superarmos as paixões e vícios da natureza humana. Ninguém consegue sair de uma prisão, de um
atoleiro sem acolher uma boa notícia que o fortifique para dar passos
concretos, com sua vontade.
A própria vida de Cristo nos é um exemplo, como ensina “A
Imitação de Cristo”: "Toda a vida de Cristo foi cruz e martírio; e tu queres
descanso e alegria" (L II, cap. 12). E, mais adiante, reitera
que não é próprio do homem carregar a sua cruz, mas "é por meio de muitas tribulações que
podemos entrar no Reino de Deus” (Atos 14,21).
Poderia parecer, sobretudo em nossos dias, que esta batalha
interior e também exterior, pois somos uma unidade, espírito e matéria, seria
um contrassenso. Cada dia nos sentimos mais e mais capazes, mais desenvolvidos
cultural e fisicamente. Então, a cruz teria sentido?
Se o nosso horizonte se limitar ao nascer e ao pôr do sol
de uma vida, se não considerarmos nosso destino eterno, não tem sentido. Seremos os mais tolos dos homens se nos dermos a
estas práticas, responde São Paulo.
Mas a Lei do Espírito da vida nos liberta da morte e realiza
em nós a esperança, que está no coração de todo homem e se transborda por toda
a natureza, da realização plena da liberdade e da paz na glória dos filhos de
Deus.
No sofrimento penitencial, na Cruz, unida ao mistério
redentor de Cristo, está a salvação, a vida, a força do espírito.
O jejum nos ensina que somos radicalmente dependentes de
Deus. Na Escritura, a palavra
nephesh significa, ao mesmo tempo, vida e garganta. A ideia que isso exprime é
que nossa vida não vem de nós mesmos, não a damos a nós próprios; nós a
recebemos continuamente: ela entra pela nossa garganta com o alimento que
comemos, a água que bebemos, o ar que respiramos. Jamais o homem pode pensar
que se basta a si mesmo, que pode se fechar para Deus. Quando jejuamos, sentimos uma certa
fraqueza e lerdeza, às vezes nos vem mesmo um pouco de tontura. Isso faz parte
da “psicologia do jejum”: recorda-nos o que somos sem esta vida que vem de
fora, que nos é dada por Deus continuamente.
A prática do jejum impede-nos, então, da ilusão de pensar
que a nossa existência, uma vez recebida, é autônoma, fechada, independente. Muitas vezes dizemos erroneamente: “A vida é minha;
faço como eu quero!” A vida será,
sempre e em todas as suas etapas, um dom de Deus, um presente gratuito, e nós
seremos sempre dependentes Dele. Esta dependência nos amadurece, nos
liberta de nossos estreitos e mesquinhos horizontes, nos livra da
autossuficiência e nos faz compreender “na carne” nossa própria verdade,
recordando-nos que a vida é para ser vivida em diálogo de amor com Aquele que
no-la deu.
O próprio Jesus, de modo particular, e a Escritura, de modo
geral, nos exortam à vigilância e à sobriedade. O jejum e a abstinência,
portanto, são um treino para que sejamos senhores de nós mesmos, de nossas
paixões, desejos e vontades. Assim, seremos realmente livres para Cristo, sendo
livres para realizar aquilo que é reto e desejável aos olhos de Deus! O próprio Jesus
afirmou que quem comete pecado é escravo do pecado! Não adianta: sem o
exercício da abstinência, jamais seremos fortes. Não basta malhar o corpo; é
preciso malhar o coração!
Como ajuda para esse tempo de penitência, a Igreja nos
recomenda a pratica do jejum. Isso nos torna donos de nós mesmos pelo domínio
da força de vontade. Quando jejuamos, vencemos a vontade de comer, muitas vezes
por gula, e nosso organismo agradece e se desintoxica.
Pensadores, estudiosos, médicos sugerem que o jejum “lava” o
organismo. Jesus jejuou porque o jejum o tornou mais forte e mais próximo do
Pai.
O Jejum é
outra experiência que faz parte da humanidade, pois, praticado desde toda a
Antiguidade pelo povo eleito como sinal de arrependimento, foi praticado por
Nosso Senhor Jesus Cristo e por todos os santos, recomendado pela Santa Igreja como
instrumento de santificação da alma, de controle do corpo e equilíbrio
emocional.
Devemos jejuar especialmente na Quarta-feira de Cinzas,
abertura da Quaresma. Na Sexta-feira Santa, dia da morte de Nosso Senhor. No entanto, todos os católicos devem ter a
mortificação e o jejum presentes em suas vidas ao longo do ano, principalmente
durante o Advento, a Quaresma, tendo sempre o espírito mortificado, fugindo do
excesso de conforto e prazeres e, na medida do possível, oferecendo alguns
sacrifícios a Deus, seja no comer, no beber, nas diversões (televisão,
principalmente), nos desconfortos que a vida oferece (calor, trabalho etc.), sabendo
suportar os outros, tendo paciência em tudo.
Como o jejum e a abstinência fazem parte dos mandamentos
da Igreja, devemos nos empenhar para praticá-los por amor de Deus. Caso haja
alguma negligência ou fraqueza da nossa vontade que nos leve a quebrar o santo
jejum ou a abstinência, devemos nos arrepender por não termos obedecido ao que
nos ordena nossa Santa Madre Igreja, confessando-nos, penitenciando-nos.
Aproveitemos deste tempo favorável e mergulhemos em uma
caminhada de conversão, com atitudes concretas não para ser vistos e elogiados
pelos homens, mas procurando estar diante de Deus com nossos corações voltados
para Ele. Deixai-vos reconciliar com Deus! E, consequentemente, procuremos dar o passo com
uma boa celebração penitencial, uma boa confissão neste tempo quaresmal.
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo de São Sebastião do
Rio de Janeiro (RJ)
Fonte: CNBB - Tempo de
Penitência
Foto retirada da internet
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
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