Primeira Leitura
Profecia de Habacuc 1,2-3; 2,2-4
Como o profeta devemos estar atentos à resposta de Deus à
nossa oração de súplica. Tal oração não muda a atitude de Deus, mas faz-nos
descobrir a pobreza, os limites e a mesquinhez dos nossos planos e, por isso,
permite-nos uma grande certeza: Deus é fiel.
A leitura está escolhida em função do Evangelho, que fala da
fé. A pequenina obra do profeta contemporâneo de Jeremias (séc. VII-VI) começa
por duas queixas a que o Senhor responde. No texto temos a primeira queixa (1,
2-3) e a segunda resposta (2, 2-4), em que sobressai o apelo à fé. Deus não
deixa de ouvir os seus amigos que Lhe pedem socorro; pode tardar a obra divina
da salvação (2, 3), mas «há de cumprir-se com certeza», «na devida altura», de
modo que só vacila «aquele que não tem alma reta». Com efeito, o justo é da fé
que tira a coragem para superar todas as dificuldades que venham a desabar
sobre ele, por isso mesmo é que ele viverá. Por outro lado, também se pode
entender o texto no sentido de que a fidelidade à aliança é garantia de vida
para o justo. S. Paulo, em Rom 1, 17, faz uma atualização deste texto,
utilizando-o como mote para a sua longa e profunda exposição sobre a
«justificação», isto é, sobre a ação divina pela qual o próprio Deus justifica,
isto é, torna justo, salva, o homem pecador. Trata-se duma iniciativa gratuita
da parte de Deus, que não é fruto daquilo que o homem possa fazer cumprindo uma
série de requisitos legais da Lei de Moisés. A primeira condição essencial para
o homem se salvar, para viver a vida divina, é esta: pela fé, acolher confiado
e agradecido o dom de Deus, que lhe vem por Cristo, e ser-lhe fiel. Note-se a
importância que na época se dava ao profeta Habacuc: o célebre Péxer de
Habacucencontra-se entre os manuscritos de Qumrã.
Segunda Leitura
2ª Carta de São Paulo a Timóteo
1,6-8.13-14
Esta leitura convida-nos a não cedermos ao desânimo e a
renovarmos o empenho e as opções fundamentais da nossa vida de cristãos, para
testemunharmos a verdade.
Começamos hoje, até ao fim do ano C, a ter como 2ª leitura
uns respingos da 2ª Carta a Timóteo, a última das chamadas Cartas Pastorais,
uma carta tão cheia de alusões pessoais, que são um forte sinal de
autenticidade, apesar das muitas objecções em contrário. Escrevendo do segundo
cativeiro romano, pelo ano 67, S. Paulo exorta o seu fiel colaborador a
perseverar incansavelmente no ministério da pregação e na defesa da sã
doutrina, prevenindo das ameaças que se avizinham para a fé reta.
6 «Reanimes o dom que recebeste pela imposição das minhas
mãos». O rito da imposição das mãos tem aqui, como em 1Tim 4,14 o sentido de
comunicação do ministério apostólico; o dom corresponde à graça do Sacramento
da Ordem (segundo o ensino de Trento: cf. DS 959), que se pode reativar com a oração
e o sacrifício, na correspondência às exigências da vocação (versículos
seguintes). Como então, ainda hoje pertence ao sinal sacramental da Ordem a
imposição das mãos do Bispo.
14 «Guarda a boa doutrina que nos foi confiada» (à letra:
«guarda o bom depósito»). Bom, isto é, precioso e autêntico, um depósito, que
são as palavras sãs segundo a fé (v. 13). A Revelação divina é um depósito
sagrado confiado à Igreja e que ela tem de guardar e transmitir íntegro (cf.
Dei Verbum, nº 7 e 10); é assim que em 1Tim 6,20 é dirigido ao grande
colaborador de Paulo o veemente apelo final, «guarda o depósito», uma expressão
de sabor jurídico (parathêkê), para designar uma coisa confiada à guarda duma
pessoa de confiança, com a obrigação de lha guardar, sem deixar que se perca ou
deteriore.
Evangelho
Evangelho: de Jesus Cristo segundo Lucas
17,5-10
A fidelidade à fé não pode ser estática, morta, mas viva e
sempre em crescimento, por obra do Espírito Santo.
O texto de hoje pertence à última parte (Lc 16,1 - 19,27) dos
ensinamentos de Jesus na grande viagem para Jerusalém; aqui o Evangelista
recolhe relatos diversos e de forma bastante dispersa, muitos deles exclusivos
de Lucas.
5. «Os Apóstolos disseram ao Senhor». Notar como,
diversamente dos outros Sinópticos, S. Lucas, na sua narração, frequentemente
designa Jesus como «o Senhor», ainda antes da ressurreição.
6 «Diríeis a esta amoreira». Em Mt 17,20 e Mc 11,23, lê-se:
a este monte, não deverá, porém, tratar-se duma suavização da arrojada forma de
falar de Jesus, mas antes podemos pensar numa outra expressão paralela usada
pelo Senhor.
7-10 Esta expressiva lição de humildade é exclusiva de
Lucas. «Um servo…»: embora não se tratasse de um escravo à maneira romana, mas
de um servo à maneira hebraica, não deixava de ser um criado para todo o
serviço: lavar, cozinhar e servir à mesa, etc… Assim devemos nós estar
dispostos a executar todo e qualquer serviço por Deus, Nosso Senhor – «o Amo»
(ou Patrão, como gostava de lhe chamar o Beato D. Manuel González) –, com ânimo
humilde e agradecido, pois não fazemos qualquer favor a Deus – servos inúteis
–. Ele é que nos faz o máximo favor de nos admitir a servi-lo; este é o
primeiro dever duma criatura relativamente ao seu Criador.
Sugestões para reflexão
Dificuldades e situações absurdas
Frequentemente achamo-nos embaraçados com os acontecimentos
que nos relatam jornais, revistas e noticiários, bem como situações absurdas a
que assistimos no nosso dia-a-dia: injustiças, fome, desemprego, doenças
inexplicáveis, desgraças nunca imaginadas. Não conseguimos encontrar respostas
aceitáveis para tais adversidades e, então, como no tempo de Habacuc,
procuramos interrogar o Senhor e exigir d’Ele uma resposta ou uma atitude que
colmate tais situações.
Todavia, a resposta de Deus é sempre a mesma: «Continua a
acreditar. Talvez hoje não consigas entender os fundamentos da minha permissão,
mas mantém-te fiel; um dia assistirás à minha interferência libertadora!».
A nossa oração não modifica a atitude de Deus, mas ajuda-nos
a descobrir as nossas limitações, a tacanhez dos nossos planos, as nossas
inseguranças. O refrão do salmo que recitámos é o eco a essas interrogações:
«Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações».
Essa voz abre-nos o coração, ajuda-nos a abandonar as nossas
esperas, as nossas firmezas, os nossos programas e interrogações e faz com que
admitamos os planos de Deus. É isso que Deus nos pede e é esta fé que nos
salva.
O sentido da vida
A fé não consiste em admitir um punhado de verdades. A fé do
cristão admite uma escolha concreta: a de seguir o Mestre. Ela não é estática,
mas dinâmica. Algumas vezes ela é diminuta, como foi a dos Apóstolos, que
pediam ao Senhor que aumentasse a sua fé.
Para tal é necessário ter audácia para repudiar certos hábitos,
fazer algumas rejeições, dar determinados passos.
A fé em Jesus é capaz de realizar coisas que aos olhos dos
homens parecem impossíveis, como ouvimos no relato do Evangelho. Se a fé se
traduzir numa adesão determinada e radical à proposta do Mestre, se for
transformada num compromisso concreto de vida, os resultados serão sempre
excepcionais.
Jesus não nos convida a usar a fé para obrigar Deus a
satisfazer as nossas ambições ou manias. Ela convida-nos a darmos um sentido à
nossa vida sanando rancores antigos, diminuindo distâncias raciais,
preconceitos que nos entravam o diálogo com pessoas difíceis. No nosso coração
há raízes muito fundas de inimizades que nos inibem e que não conseguimos
arrancar, para nos livrarmos delas.
Muitos caracterizam-nos, a nós cristãos, sublinhando a fé,
outros salientam a caridade, poucos evocam o cristão como o homem da esperança,
aquele que não só acredita mas tem a certeza de que o Reino de Deus triunfará.
No final a fé conseguirá arrancar todas as «amoreiras, plantando-as no mar»,
como nos relata Jesus no Evangelho.
O cristão que procura agir bem no seu quotidiano apenas para
receber um prémio da parte de Deus está radicalmente enganado, pois não faz as
coisas por amor, mas por egoísmo. É uma das profundas raízes existentes em nós
que teremos de arrancar do coração e do pensamento. Todas as boas obras por nós
praticadas são, no fundo, um dom do próprio Deus e não mérito nosso. Só seremos
felizes se agirmos gratuitamente. Tudo o que fizermos não deve ser para agradar
aos homens, nem para aprovação final por Deus. Fazendo-o desinteressadamente
seremos na verdade imagem e semelhança de Deus Pai que está nos céus.
Só assim nos comportaremos como servos inúteis de que fala
Jesus no final do Evangelho.
Reavivar a consciência
Recebemos muitos dons. É necessário reavivar a consciência
da nossa condição de privilegiados e da responsabilidade que ela comporta.
Cada dia devemos reacender o amor, a fé e a esperança que,
no dia do baptismo, foram ateadas pelo Espírito, a fim de não desanimarmos e
podermos renovar o empenho e as opções fundamentais da nossa vida. Para tal,
procuremos uma maior reflexão da Palavra do Mestre, para um crescente
entendimento da Sua mensagem.
A fidelidade ao depósito da fé não consiste na repetição rigorosa
e sempre idêntica de fórmulas às vezes impenetráveis e de gestos rituais que
talvez não nos digam nada. A fé do cristão não é uma fidelidade morta mas viva
e ativa, em contínuo crescimento, por obra do Espírito Santo.
Procuremos reavivar e fazer crescer em nós esta fé que
consegue mover montanhas.
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
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