Ninguém vem a mim a não ser que o Pai o atraia (Jo 6,44). Não
penses ser atraído contra a vontade. A alma humana é atraída também pelo amor. Nem
devemos temer que os homens que pesam as palavras e que estão muito longe da
compreensão das coisas divinas nos venham talvez censurar por causa desta
palavra evangélica da Escritura, e nos dizer: “Como é que creio por livre
vontade, se sou atraído?” Respondo eu: “Por livre vontade é pouco; és atraído
também pelo prazer”.
Que significa ser atraído pelo prazer?
Busca tuas delícias no Senhor e ele atenderá aos pedidos de
teu coração (Sl 36,4). Há um gozo do coração, seu pão delicioso é o celeste. Contudo
se foi possível ao poeta dizer: “Cada um se deixa atrair por seu prazer”, não
pelo constrangimento, mas pelo prazer, não por obrigação, mas pelo deleite, com
quanto mais força temos de dizer que o homem é atraído para Cristo. O homem que
se deleita com a verdade, se deleita com a felicidade, se deleita com a
justiça, se deleita com a vida sempiterna, com tudo isso que é Cristo.
Se têm os sentidos do corpo sua satisfação, estará o
espírito privado de suas alegrias? Se o espírito não conhece delícias, como se
disse então: Os filhos dos homens abrigam-se à sombra de tuas asas, inebriam-se
com as riquezas de tua casa e tu lhes darás de beber da torrente de tuas
delícias, porque em ti está a fonte da vida e à tua luz veremos a luz? (Sl 35,8-10)
Apresenta-me alguém que ame e entenderá o que falo. Mostra
um desejoso, um faminto, um sedento peregrino deste deserto que suspira pela
fonte da pátria eterna, mostra alguém assim e saberá de que falo. Se, porém,
falo a um indiferente, não compreenderá o que digo.
Estendes um ramo verde a uma ovelha e a atrais. Mostram-se
nozes a um menino, e é atraído. E corre para onde é atraído, amando, é atraído,
é atraído sem violência corporal, é atraído pelo laço do coração. Se, entre as
delícias e prazeres terrenos, aqueles que se apresentam aos seus apaixonados
exercem forte atração sobre eles, pois é bem verdade que “cada um se deixa
atrair por seu prazer”, não atrairá o Cristo revelado pelo Pai? Que deseja a
alma com mais veemência do que a verdade? Por isso, deve-se ter uma boca
faminta. Para que deseja ele ter um paladar espiritual são, senão para discernir
as coisas verdadeiras, para comer e beber a sabedoria, a justiça, a verdade, a
eternidade?
Diz o Senhor: Bem-aventurados os que têm fome e sede de
justiça, cá na terra, porque serão saciados (Mt 5,6), lá no céu. Eu lhe
entregarei o que ama, entregarei o que espera. Verá aquilo em que acreditou
ainda sem ver. Comerá aquilo de que tem fome, será saciado por aquilo de que
tem sede. Quando? Na ressurreição dos mortos porque eu o ressuscitarei no
último dia (Jo 6,54).
Santo
Agostinho (354/430)
Bispo de Hipona -
Doutor da Igreja
Tratado sobre o Evangelho de
São João
Fonte: Liturgia das Horas
Foto retirada da internet
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