É crescente a ladainha de murmurações que apontam para o
declínio ético-moral e suas terríveis consequências na sociedade brasileira.
Constatar essas decadências, em um quadro de análises pertinentes, com o
propósito de buscar saídas e soluções é uma necessidade urgente. Mas, isso pouco
ajuda quando os lamentos colorem de modo cinzento e triste a marcha cotidiana
da sociedade. A chama da esperança se apaga, mata-se a vida, a baixa autoestima
toma conta do povo que perde a capacidade de reagir, importante fator para sair
da crise.
Um processo avassalador que compromete a cidadania e atrasa
ainda mais a indicação de soluções e novas respostas. O que se vê,
infelizmente, é o deprimente jogo da compra de influências, com dinheiro de
origem duvidosa, tornando ainda mais submissos aqueles que já não têm
credibilidade e força moral. Os projetos e as propostas, até as que tratam das
inadiáveis reformas, quando pensados sob a lógica estreita da mesquinharia,
surgem acompanhados de suspeitas, pois parecem manter a mesma dinâmica:
desconsiderar os mais pobres e manter privilégios. Assim, perdem a força para
sustentar uma sociedade justa e fraterna.
Aqueles que deveriam representar o povo se deixam seduzir
pelo dinheiro, submetendo-se cegamente a esquemas e propósitos contrários ao
bem comum. Negociam os interesses de uma nação inteira, a exemplo da passagem
bíblica sobre a venda de José do Egito, como escravo, por seus irmãos. Sem
piedade, defendem, votam e adotam procedimentos e legislações que não corrigem
os descompassos. Contrariam o que deveria ser o compromisso de quem representa
o povo, inviabilizando as dinâmicas de uma cultura que possibilite a construção
de um Brasil novo e diferente. Somente uma nação que preze a civilidade, o
equilíbrio e seja caracterizada por uma cidadania qualificada será capaz de
superar os descalabros da corrupção e a violência, absurdamente crescente.
Mas o processo vicioso é que vem conduzindo a sociedade à
interminável ladainha de lamentos e a reações inconsistentes, sem a força
inventiva e sem o altruísmo necessários ao surgimento de iniciativas grandes e
pequenas, nos âmbitos privados e públicos, com força para dar novos rumos ao
Brasil. Desse modo, instala-se um clima do “salve-se quem puder”, que alimenta
conflitos, exercícios governamentais medíocres, desempenhos norteados
exclusivamente por interesses próprios.
A reação necessária com força para deter os abusos de poder,
os golpes, o cala-boca imposto à sociedade por medidas e funcionamentos
inadequados à necessária correção de rumos, é muito mais exigente do que apenas
garantir eleições. As respostas e saídas para as estruturantes correções que
precisam ser feitas estão muito além de quaisquer índices da economia e sua
desejada retomada, ou da simples substituição de nomes e de cadeiras nos
governos e nas casas legislativas. Nada
disso tem a força transformadora que a sociedade brasileira precisa.
As soluções apontadas até agora, as saídas encaminhadas, as
prospecções realizadas não apresentarão os resultados desejados enquanto cada
cidadão não compreender que as grandes modificações e transformações devem
começar na consciência de cada um. As pessoas pedem mudanças, mas não querem
mudar. É preciso recordar a fonte de
referência anterior aos interesses e seduções que submetem a pessoa ao
dinheiro, ao egoísmo e à ganância. Urge chamar a atenção de todos para que
compreendam o sentido profundo de sua origem e de seu destino, ou seja: o
coração de Deus. Do Criador, o ser humano é imagem e semelhança. A semente de
cada indivíduo é divina, de Deus se recebe o dom de viver.
Por Deus se entra na experiência humana da vida com o
desafio de transfigurar o humano, adquirindo as feições amorosas e ternas do
Deus da Vida. Vive-se para transfigurar o humano, dando a ele, nos gestos,
palavras e atitudes, a expressão própria do glorioso e luminoso que está no
Divino, de onde se vem e para onde se vai. Um entendimento na contramão da
desfiguração crescente e decadente do humano, que reflete no rol das
violências, dos roubos, das indiferenças, das incompetências configuradas na
administração de processos, em que medíocres comandam, mesquinhos se agarram a
lugares, obscurecidos continuam acomodados em sua nulidade, interesseiros e
amigos do dinheiro não enxergam novos caminhos.
Assim, a clareza da própria origem divina, com o exercício
permanente da consciência afetiva de que Deus é a referência insubstituível
para a modulação ético-moral do próprio coração, configurando atitudes cidadãs,
é o único ponto de partida possível, caminho e horizonte para transfigurar o
ser humano. Quaisquer outras opções resultarão na perda da única fonte
inesgotável do amor verdadeiro, no distanciamento do sustento que, em graça e
consciência, garante o cumprimento, pelo ser humano, da tarefa de divinizar-se
no amor de Deus. Esse é o único caminho para se transfigurar e não se
desfigurar.
Dom
Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo de Belo Horizonte
Fonte: CNBB
Foto retirada da internet
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