137.
Dado que tudo está intimamente relacionado e que os problemas atuais
requerem um olhar que tenha em conta todos os aspectos da crise mundial,
proponho que nos detenhamos agora a refletir sobre os diferentes elementos duma
ecologia integral, que inclua claramente as dimensões humanas e sociais.
1. Ecologia ambiental, econômica
e social
138.
A ecologia estuda as relações entre os organismos vivos e o meio
ambiente onde se desenvolvem. E isto exige sentar-se a pensar e discutir acerca
das condições de vida e de sobrevivência duma sociedade, com a honestidade de
pôr em questão modelos de desenvolvimento, produção e consumo. Nunca é demais
insistir que tudo está interligado. O tempo e o espaço não são independentes
entre si; nem os próprios átomos ou as partículas subatômicas se podem
considerar separadamente. Assim como os vários componentes do planeta –
físicos, químicos e biológicos – estão relacionados entre si, assim também as
espécies vivas formam uma trama que nunca acabaremos de individuar e
compreender. Boa parte da nossa informação genética é partilhada com muitos
seres vivos. Por isso, os conhecimentos fragmentários e isolados podem
tornar-se uma forma de ignorância, quando resistem a integrar-se numa visão
mais ampla da realidade.
139.
Quando falamos de «meio ambiente», fazemos referência também a uma
particular relação: a relação entre a natureza e a sociedade que a habita. Isto
impede-nos de considerar a natureza como algo separado de nós ou como uma mera
moldura da nossa vida. Estamos incluídos nela, somos parte dela e
compenetramo-nos. As razões, pelas quais um lugar se contamina, exigem uma
análise do funcionamento da sociedade, da sua economia, do seu comportamento,
das suas maneiras de entender a realidade. Dada a amplitude das mudanças, já
não é possível encontrar uma resposta específica e independente para cada parte
do problema. É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações
dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises
separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental.
As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a
pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da
natureza.
140.
Devido à quantidade e variedade de elementos a ter em conta na hora de
determinar o impacto ambiental dum empreendimento concreto, torna-se
indispensável dar aos pesquisadores um papel preponderante e facilitar a sua interação
com uma ampla liberdade acadêmica. Esta pesquisa constante deveria permitir
reconhecer também como as diferentes criaturas se relacionam, formando aquelas
unidades maiores que hoje chamamos «ecossistemas». Temo-los em conta não só
para determinar qual é o seu uso razoável, mas também porque possuem um valor
intrínseco, independente de tal uso. Assim como cada organismo é bom e
admirável em si mesmo pelo facto de ser uma criatura de Deus, o mesmo se pode
dizer do conjunto harmônico de organismos num determinado espaço, funcionando
como um sistema. Embora não tenhamos consciência disso, dependemos desse
conjunto para a nossa própria existência. Convém recordar que os ecossistemas
intervêm na retenção do dióxido de carbono, na purificação da água, na
contraposição a doenças e pragas, na composição do solo, na decomposição dos
resíduos, e muitíssimos outros serviços que esquecemos ou ignoramos. Quando se
dão conta disto, muitas pessoas voltam a tomar consciência de que vivemos e
agimos a partir duma realidade que nos foi previamente dada, que é anterior às
nossas capacidades e à nossa existência. Por isso, quando se fala de «uso
sustentável», é preciso incluir sempre uma consideração sobre a capacidade
regenerativa de cada ecossistema nos seus diversos sectores e aspectos.
141.
Além disso, o crescimento económico tende a gerar automatismos e a
homogeneizar, a fim de simplificar os processos e reduzir os custos. Por isso,
é necessária uma ecologia económica, capaz de induzir a considerar a realidade
de forma mais ampla. Com efeito, «a proteção do meio ambiente deverá constituir
parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada
isoladamente».[114] Mas, ao mesmo tempo, torna-se atual a necessidade imperiosa
do humanismo, que faz apelo aos distintos saberes, incluindo o económico, para
uma visão mais integral e integradora. Hoje, a análise dos problemas ambientais
é inseparável da análise dos contextos humanos, familiares, laborais, urbanos,
e da relação de cada pessoa consigo mesma, que gera um modo específico de se
relacionar com os outros e com o meio ambiente. Há uma interação entre os
ecossistemas e entre os diferentes mundos de referência social e, assim, se
demonstra mais uma vez que «o todo é superior à parte».[115]
142.
Se tudo está relacionado, também o estado de saúde das instituições duma
sociedade tem consequências no ambiente e na qualidade de vida humana: «toda a
lesão da solidariedade e da amizade cívica provoca danos ambientais».[116]
Neste sentido, a ecologia social é necessariamente institucional e
progressivamente alcança as diferentes dimensões, que vão desde o grupo social
primário, a família, até à vida internacional, passando pela comunidade local e
a nação. Dentro de cada um dos níveis sociais e entre eles, desenvolvem-se as
instituições que regulam as relações humanas. Tudo o que as danifica comporta
efeitos nocivos, como a perda da liberdade, a injustiça e a violência. Vários
países são governados por um sistema institucional precário, à custa do
sofrimento do povo e para benefício daqueles que lucram com este estado de
coisas. Tanto dentro da administração do Estado, como nas diferentes expressões
da sociedade civil, ou nas relações dos habitantes entre si, registam-se, com
demasiada frequência, comportamentos ilegais. As leis podem estar redigidas de
forma correta, mas muitas vezes permanecem letra morta. Poder-se-á, assim,
esperar que a legislação e as normativas relativas ao meio ambiente sejam
realmente eficazes? Sabemos, por exemplo, que países dotados duma legislação
clara sobre a proteção das florestas continuam a ser testemunhas mudas da sua
frequente violação. Além disso, o que acontece numa região influi, direta ou indiretamente,
nas outras regiões. Assim, por exemplo, o consumo de drogas nas sociedades
opulentas provoca uma constante ou crescente procura de produtos que provêm de
regiões empobrecidas, onde se corrompem comportamentos, se destroem vidas e se
acaba por degradar o meio ambiente.
2. Ecologia cultural
143.
A par do património natural, encontra-se igualmente ameaçado um
património histórico, artístico e cultural. Faz parte da identidade comum de um
lugar, servindo de base para construir uma cidade habitável. Não se trata de
destruir e criar novas cidades hipoteticamente mais ecológicas, onde nem sempre
resulta desejável viver. É preciso integrar a história, a cultura e a arquitetura
dum lugar, salvaguardando a sua identidade original. Por isso, a ecologia
envolve também o cuidado das riquezas culturais da humanidade, no seu sentido
mais amplo. Mais diretamente, pede que se preste atenção às culturas locais,
quando se analisam questões relacionadas com o meio ambiente, fazendo dialogar
a linguagem técnico-científica com a linguagem popular. É a cultura – entendida
não só como os monumentos do passado, mas especialmente no seu sentido vivo,
dinâmico e participativo – que não se pode excluir na hora de repensar a
relação do ser humano com o meio ambiente.
144.
A visão consumista do ser humano, incentivada pelos mecanismos da
economia globalizada atual, tende a homogeneizar as culturas e a debilitar a
imensa variedade cultural, que é um tesouro da humanidade. Por isso, pretender
resolver todas as dificuldades através de normativas uniformes ou por
intervenções técnicas, leva a negligenciar a complexidade das problemáticas
locais, que requerem a participação ativa dos habitantes. Os novos processos em
gestação nem sempre se podem integrar dentro de modelos estabelecidos do
exterior, mas hão de ser provenientes da própria cultura local. Assim como a
vida e o mundo são dinâmicos, assim também o cuidado do mundo deve ser flexível
e dinâmico. As soluções meramente técnicas correm o risco de tomar em
consideração sintomas que não correspondem às problemáticas mais profundas. É preciso
assumir a perspectiva dos direitos dos povos e das culturas, dando assim provas
de compreender que o desenvolvimento dum grupo social supõe um processo
histórico no âmbito dum contexto cultural e requer constantemente o
protagonismo dos atores sociais locais a partir da sua própria cultura. Nem
mesmo a noção da qualidade de vida se pode impor, mas deve ser entendida dentro
do mundo de símbolos e hábitos próprios de cada grupo humano.
145.
Muitas formas de intensa exploração e degradação do meio ambiente podem
esgotar não só os meios locais de subsistência, mas também os recursos sociais
que consentiram um modo de viver que sustentou, durante longo tempo, uma
identidade cultural e um sentido da existência e da convivência social. O
desaparecimento duma cultura pode ser tanto ou mais grave do que o
desaparecimento duma espécie animal ou vegetal. A imposição dum estilo
hegemónico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a
alteração dos ecossistemas.
146.
Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às
comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma
minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores,
especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços.
Com efeito, para eles, a terra não é um bem económico, mas dom gratuito de Deus
e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam de
interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando
permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do
mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem
livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à
degradação da natureza e da cultura.
3. Ecologia da vida quotidiana
147.
Para se poder falar de autêntico progresso, será preciso verificar que
se produza uma melhoria global na qualidade de vida humana; isto implica
analisar o espaço onde as pessoas transcorrem a sua existência. Os ambientes onde
vivemos influem sobre a nossa maneira de ver a vida, sentir e agir. Ao mesmo
tempo, no nosso quarto, na nossa casa, no nosso lugar de trabalho e no nosso
bairro, usamos o ambiente para exprimir a nossa identidade. Esforçamo-nos por
nos adaptar ao ambiente e, quando este aparece desordenado, caótico ou cheio de
poluição visiva e acústica, o excesso de estímulos põe à prova as nossas
tentativas de desenvolver uma identidade integrada e feliz.
148.
Admirável é a criatividade e generosidade de pessoas e grupos que são
capazes de dar a volta às limitações do ambiente, modificando os efeitos
adversos dos condicionalismos e aprendendo a orientar a sua existência no meio
da desordem e precariedade. Por exemplo, nalguns lugares onde as fachadas dos
edifícios estão muito deterioradas, há pessoas que cuidam com muita dignidade o
interior das suas habitações, ou que se sentem bem pela cordialidade e amizade
das pessoas. A vida social positiva e benfazeja dos habitantes enche de luz um
ambiente à primeira vista inabitável. É louvável a ecologia humana que os
pobres conseguem desenvolver, no meio de tantas limitações. A sensação de
sufocamento, produzida pelos aglomerados residenciais e pelos espaços com alta
densidade populacional, é contrastada se se desenvolvem calorosas relações
humanas de vizinhança, se se criam comunidades, se as limitações ambientais são
compensadas na interioridade de cada pessoa que se sente inserida numa rede de
comunhão e pertença. Deste modo, qualquer lugar deixa de ser um inferno e
torna-se o contexto duma vida digna.
149.
Inversamente está provado que a penúria extrema vivida nalguns ambientes
privados de harmonia, magnanimidade e possibilidade de integração, facilita o
aparecimento de comportamentos desumanos e a manipulação das pessoas por
organizações criminosas. Para os habitantes de bairros periféricos muito
precários, a experiência diária de passar da superlotação ao anonimato social,
que se vive nas grandes cidades, pode provocar uma sensação de desenraizamento
que favorece comportamentos antissociais e violência. Todavia tenho a peito
reiterar que o amor é mais forte. Muitas pessoas, nestas condições, são capazes
de tecer laços de pertença e convivência que transformam a superlotação numa
experiência comunitária, onde se derrubam os muros do eu e superam as barreiras
do egoísmo. Esta experiência de salvação comunitária é o que muitas vezes
suscita reações criativas para melhorar um edifício ou um bairro.[117]
150.
Dada a relação entre os espaços urbanizados e o comportamento humano, aqueles
que projetam edifícios, bairros, espaços públicos e cidades precisam da
contribuição dos vários saberes que permitem compreender os processos, o
simbolismo e os comportamentos das pessoas. Não é suficiente a busca da beleza
no projeto, porque tem ainda mais valor servir outro tipo de beleza: a
qualidade de vida das pessoas, a sua harmonia com o ambiente, o encontro e
ajuda mútua. Por isso também, é tão importante que o ponto de vista dos
habitantes do lugar contribua sempre para a análise da planificação urbanista.
151.
É preciso cuidar dos espaços comuns, dos marcos visuais e das estruturas
urbanas que melhoram o nosso sentido de pertença, a nossa sensação de
enraizamento, o nosso sentimento de «estar em casa» dentro da cidade que nos
envolve e une. É importante que as diferentes partes duma cidade estejam bem
integradas e que os habitantes possam ter uma visão de conjunto em vez de se
encerrarem num bairro, renunciando a viver a cidade inteira como um espaço
próprio partilhado com os outros. Toda a intervenção na paisagem urbana ou
rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo,
sentido pelos habitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de
significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como
parte de um «nós» que construímos juntos. Pela mesma razão, tanto no meio
urbano como no rural, convém preservar alguns espaços onde se evitem
intervenções humanas que os alterem constantemente.
152.
A falta de habitação é grave em muitas partes do mundo, tanto nas áreas
rurais como nas grandes cidades, nomeadamente porque os orçamentos estatais em
geral cobrem apenas uma pequena parte da procura. E não só os pobres, mas uma
grande parte da sociedade encontra sérias dificuldades para ter uma casa própria.
A propriedade da casa tem muita importância para a dignidade das pessoas e o
desenvolvimento das famílias. Trata-se duma questão central da ecologia humana.
Se num lugar concreto já se desenvolveram aglomerados caóticos de casas
precárias, trata-se primariamente de urbanizar estes bairros, não de erradicar
e expulsar os habitantes. Mas, quando os pobres vivem em subúrbios poluídos ou
aglomerados perigosos, «no caso de ter de se proceder à sua deslocação, para
não acrescentar mais sofrimento ao que já padecem, é necessário fornecer-lhes
uma adequada e prévia informação, oferecer-lhes alternativas de alojamentos
dignos e envolver diretamente os interessados».[118] Ao mesmo tempo, a
criatividade deveria levar à integração dos bairros precários numa cidade
acolhedora: «Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e
integram os que são diferentes, fazendo desta integração um novo fator de
progresso! Como são encantadoras as cidades que, já no seu projeto arquitetônico,
estão cheias de espaços que unem, relacionam, favorecem o reconhecimento do
outro!»[119]
153.
Nas cidades, a qualidade de vida está largamente relacionada com os
transportes, que muitas vezes são causa de grandes tribulações para os
habitantes. Nelas, circulam muitos carros utilizados por uma ou duas pessoas,
pelo que o tráfico torna-se intenso, eleva-se o nível de poluição, consomem-se
enormes quantidades de energia não-renovável e torna-se necessário a construção
de mais estradas e parques de estacionamento que prejudicam o tecido urbano.
Muitos especialistas estão de acordo sobre a necessidade de dar prioridade ao
transporte público. Mas é difícil que algumas medidas consideradas necessárias
sejam pacificamente acolhidas pela sociedade, sem uma melhoria substancial do
referido transporte, que, em muitas cidades, comporta um tratamento indigno das
pessoas devido à superlotação, ao desconforto, ou à reduzida frequência dos
serviços e à insegurança.
154.
O reconhecimento da dignidade peculiar do ser humano contrasta
frequentemente com a vida caótica que têm de fazer as pessoas nas nossas
cidades. Mas isto não deveria levar a esquecer o estado de abandono e desleixo
que sofrem também alguns habitantes das áreas rurais, onde não chegam os
serviços essenciais e há trabalhadores reduzidos a situações de escravidão, sem
direitos nem expectativas duma vida mais dignificante.
155.
A ecologia humana implica também algo de muito profundo que é
indispensável para se poder criar um ambiente mais dignificante: a relação
necessária da vida do ser humano com a lei moral inscrita na sua própria
natureza. Bento XVI dizia que existe uma «ecologia do homem», porque «também o
homem possui uma natureza, que deve respeitar e não pode manipular como lhe
apetece».[120] Nesta linha, é preciso reconhecer que o nosso corpo nos põe em
relação direta com o meio ambiente e com os outros seres vivos. A aceitação do
próprio corpo como dom de Deus é necessária para acolher e aceitar o mundo
inteiro como dom do Pai e casa comum; pelo contrário, uma lógica de domínio
sobre o próprio corpo transforma-se numa lógica, por vezes subtil, de domínio
sobre a criação. Aprender a aceitar o próprio corpo, a cuidar dele e a
respeitar os seus significados é essencial para uma verdadeira ecologia humana.
Também é necessário ter apreço pelo próprio corpo na sua feminilidade ou
masculinidade, para se poder reconhecer a si mesmo no encontro com o outro que
é diferente. Assim, é possível aceitar com alegria o dom específico do outro ou
da outra, obra de Deus criador, e enriquecer-se mutuamente. Portanto, não é
salutar um comportamento que pretenda «cancelar a diferença sexual, porque já
não sabe confrontar-se com ela».[121]
4. O princípio do bem comum
156.
A ecologia integral é inseparável da noção de bem comum, princípio este
que desempenha um papel central e unificador na ética social. É «o conjunto das
condições da vida social que permitem, tanto aos grupos como a cada membro,
alcançar mais plena e facilmente a própria perfeição».[122]
157.
O bem comum pressupõe o respeito pela pessoa humana enquanto tal, com
direitos fundamentais e inalienáveis orientados para o seu desenvolvimento
integral. Exige também os dispositivos de bem-estar e segurança social e o
desenvolvimento dos vários grupos intermédios, aplicando o princípio da subsidiariedade.
Entre tais grupos, destaca-se de forma especial a família enquanto célula
basilar da sociedade. Por fim, o bem comum requer a paz social, isto é, a
estabilidade e a segurança de uma certa ordem, que não se realiza sem uma
atenção particular à justiça distributiva, cuja violação gera sempre violência.
Toda a sociedade – e, nela, especialmente o Estado – tem obrigação de defender
e promover o bem comum.
158.
Nas condições atuais da sociedade mundial, onde há tantas desigualdades
e são cada vez mais numerosas as pessoas descartadas, privadas dos direitos
humanos fundamentais, o princípio do bem comum torna-se imediatamente, como
consequência lógica e inevitável, um apelo à solidariedade e uma opção
preferencial pelos mais pobres. Esta opção implica tirar as consequências do
destino comum dos bens da terra, mas – como procurei mostrar na exortação
apostólica Evangelii gaudium [123] – exige acima de tudo contemplar a imensa
dignidade do pobre à luz das mais profundas convicções de fé. Basta observar a
realidade para compreender que, hoje, esta opção é uma exigência ética
fundamental para a efetiva realização do bem comum.
5. A justiça intergeneracional
159.
A noção de bem comum engloba também as gerações futuras. As crises
económicas internacionais mostraram, de forma atroz, os efeitos nocivos que
traz consigo o desconhecimento de um destino comum, do qual não podem ser
excluídos aqueles que virão depois de nós. Já não se pode falar de
desenvolvimento sustentável sem uma solidariedade intergeneracional. Quando
pensamos na situação em que se deixa o planeta às gerações futuras, entramos
noutra lógica: a do dom gratuito, que recebemos e comunicamos. Se a terra nos é
dada, não podemos pensar apenas a partir dum critério utilitarista de
eficiência e produtividade para lucro individual. Não estamos a falar duma
atitude opcional, mas duma questão essencial de justiça, pois a terra que
recebemos pertence também àqueles que hão de vir. Os bispos de Portugal
exortaram a assumir este dever de justiça: «O ambiente situa-se na lógica da
recepção. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração
seguinte».[124] Uma ecologia integral possui esta perspectiva ampla.
160.
Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças
que estão a crescer? Esta pergunta não toca apenas o meio ambiente de maneira
isolada, porque não se pode pôr a questão de forma fragmentária. Quando nos
interrogamos acerca do mundo que queremos deixar, referimo-nos sobretudo à sua
orientação geral, ao seu sentido, aos seus valores. Se não pulsa nelas esta
pergunta de fundo, não creio que as nossas preocupações ecológicas possam
alcançar efeitos importantes. Mas, se esta pergunta é posta com coragem,
leva-nos inexoravelmente a outras questões muito diretas: Com que finalidade
passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e
lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra? Por isso, já não basta dizer
que devemos preocupar-nos com as gerações futuras; exige-se ter consciência de
que é a nossa própria dignidade que está em jogo. Somos nós os primeiros
interessados em deixar um planeta habitável para a humanidade que nos vai
suceder. Trata-se de um drama para nós mesmos, porque isto chama em causa o
significado da nossa passagem por esta terra.
161.
As previsões catastróficas já não se podem olhar com desprezo e ironia.
Às próximas gerações, poderíamos deixar demasiadas ruínas, desertos e lixo. O
ritmo de consumo, desperdício e alteração do meio ambiente superou de tal
maneira as possibilidades do planeta, que o estilo de vida atual – por ser
insustentável – só pode desembocar em catástrofes, como aliás já está a
acontecer periodicamente em várias regiões. A atenuação dos efeitos do
desequilíbrio atual depende do que fizermos agora, sobretudo se pensarmos na
responsabilidade que nos atribuirão aqueles que deverão suportar as piores
consequências.
162.
A dificuldade em levar a sério este desafio tem a ver com uma
deterioração ética e cultural, que acompanha a deterioração ecológica. O homem
e a mulher deste mundo pós-moderno correm o risco permanente de se tornar
profundamente individualistas, e muitos problemas sociais de hoje estão
relacionados com a busca egoísta duma satisfação imediata, com as crises dos
laços familiares e sociais, com as dificuldades em reconhecer o outro. Muitas
vezes há um consumo excessivo e míope dos pais que prejudica os próprios
filhos, que sentem cada vez mais dificuldade em comprar casa própria e fundar
uma família. Além disso esta falta de capacidade para pensar seriamente nas
futuras gerações está ligada com a nossa incapacidade de alargar o horizonte
das nossas preocupações e pensar naqueles que permanecem excluídos do
desenvolvimento. Não percamos tempo a imaginar os pobres do futuro, é
suficiente que recordemos os pobres de hoje, que poucos anos têm para viver
nesta terra e não podem continuar a esperar. Por isso, «para além de uma leal
solidariedade entre as gerações, há que reafirmar a urgente necessidade moral
de uma renovada solidariedade entre os indivíduos da mesma geração».[125]
[114] Declaração do Rio sobre
o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, Rio de Janeiro (14 de Junho de 1992),
princípio 4.
[115] Francisco, Exort. ap.
Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 237: AAS 105 (2013), 1116.
[116] Bento XVI, Carta enc.
Caritas in veritate (29 de Junho de 2009), 51: AAS 101 (2009), 687.
[117] Alguns autores puseram
em evidência os valores que muitas vezes se vivem, por exemplo, nas «villas»,
«chabolas» ou favelas da América Latina: ver Juan Carlos Scannone S.I., «La
irrupción del pobre y la lógica de la gratuidad», in Juan Carlos Scannone e
Marcelo Perine (eds.), Irrupción del pobre y quehacer filosófico. Hacia una
nueva racionalidad (Buenos Aires 1993), 225-230.
[118] Pontifício Conselho
«Justiça e Paz», Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 482.
[119] Francisco, Exort. ap.
Evangelii gaudium (24 de Novembro de 2013), 210: AAS 105 (2013), 1107.
[120] Discurso ao Bundestag,
Berlim (22 de Setembro de 2011): AAS 103 (2011), 668; L’Osservatore Romano (ed.
portuguesa de 24/IX/2011), 5.
[121] Francisco, Catequese (15
de Abril de 2015): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 16/IV/2015), 20.
[122] Conc. Ecum. Vat. II,
Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 26.
[123] Cf. nn. 186-201:AAS 105
(2013), 1098-1105.
[124] Conferência Episcopal
Portuguesa, Carta pastoral Responsabilidade solidária pelo bem comum (15 de
Setembro de 2003), 20.
[125] Bento XVI, Mensagem para
o Dia Mundial da Paz de 2010, 8: AAS 102 (2010), 45.
Fonte: Libreria Editrice
Vaticana
w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html
Foto retirada da internet
caso seja o autor, por favor, entre em contato para citarmos o credito.
Observação:
Os escritos em vermelho fosco não pertencem ao texto original.
CAPÍTULOS: Introdução
- I
- II
- III
- IV
Fique com Deus e sob a
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
Crendo e ensinando o que crê e ensina a Santa Igreja
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