O mundo ficou pequeno, pela rapidez com que correm por todos
os quadrantes da terra as notícias, imagens e repercussões dos acontecimentos.
Os conflitos, entretanto, ficam maiores, são acirradas as diferenças entre as
pessoas, tristemente destruídas vidas, a propriedade, as instituições e a fama.
Parece que todos os valores vêm abaixo, num processo de nivelamento pelo rodapé
de tudo o que de mais miserável existe. Há vozes que prenunciam tempos muito
difíceis quanto à economia de nosso país e de outras nações, verdadeiras
batalhas religiosas, destruição recíproca de grupos que se digladiam, na
afirmação de si mesmos e de seus interesses. Pessimismo à vista? Uma boa dose
de realismo, reforçado pela avalanche de informações com a qual somos
assaltados diariamente.
O Documento de Aparecida constatou que “vivemos uma mudança
de época cujo nível mais profundo é o cultural. Dissolve-se a concepção
integral do ser humano, sua relação com o mundo e com Deus; aqui está
precisamente o grande erro das tendências dominantes do último século, que
excluem Deus de seu horizonte, falsificam o conceito da realidade e só podem
terminar em caminhos equivocados e com receitas destrutivas. Surge hoje, com grande
força, uma sobrevalorização da subjetividade individual. Independentemente de
sua forma, a liberdade e a dignidade da pessoa são reconhecidas. O
individualismo enfraquece os vínculos comunitários e propõe uma radical
transformação do tempo e do espaço, dando um papel primordial à imaginação. Os
fenômenos sociais, econômicos e tecnológicos estão na base da profunda vivência
do tempo, ao que se concebe fixado no próprio presente, trazendo concepções de
inconsistência e instabilidade. Deixa-se de lado a preocupação pelo bem comum
para dar lugar à realização imediata dos desejos dos indivíduos, à criação de
novos e, muitas vezes, arbitrários direitos individuais, aos problemas da
sexualidade, da família, das enfermidades e da morte” (Documento de Aparecida,
número 44). Não é difícil constatar que já estamos pagando caro por todo o
desmanche de valores em nossa sociedade.
No entanto, em tempo de notícias ruins e apreensões, vem à
tona a presença forte e esperançosa dos cristãos no meio do mundo. O Papa Francisco
realizou uma magnífica viagem missionária e evangelizadora pela Ásia,
anunciando aos pobres a boa nova, assegurando-lhes o lugar que lhes é reservado
na Igreja e no Reino de Deus. A Igreja no Brasil, caminhando contra a corrente
de pessimismo, proclama um Ano da Paz e prepara a próxima Campanha da
Fraternidade, estampada pela figura do Papa em seu cartaz, para propor à
sociedade um novo espírito em seu relacionamento e no trato da coisa pública,
fundado no serviço. Na Arquidiocese de Belém do Pará, a Igreja se antecipa aos
quatrocentos anos da Evangelização da Amazônia e da fundação da cidade de Santa
Maria de Belém do Grão Pará, proclamando um Ano Eucarístico, em preparação ao
XVII Congresso Eucarístico Nacional, que se celebrará em nosso solo amazônico
de 15 a 21 de agosto de 2016. Abraçamos com ardor a responsabilidade da
Evangelização e nos recusamos ao acomodamento diante dos desafios da época.
Onde se encontra a fonte do entusiasmo, do novo ardor, novos
métodos e novas expressões para a Igreja se lançar novamente à missão? Sabemos
que as grandes mudanças de época ocorridas na história foram precedidas ou
acompanhadas de um reavivamento do cristianismo, cuja capacidade de renovação
vem da ação do Espírito Santo que, prometido por Jesus, é o penhor e garantia
da realização do Reino de Deus. A garantia nos vem da Palavra de Deus, cujos
desígnios são irreversíveis!
A Liturgia celebrada pela Igreja neste fim de semana oferece
indicações para acender o farol da esperança. Nínive, à margem oriental do Rio
Tigre, citada no Livro do Profeta Jonas (Jn 3, 1-5.10), a Mossul destruída em
recentes conflitos no Iraque, a seu tempo ouviu o convite à conversão,
afastando-se do mau caminho, quando o próprio profeta se mostrara desanimado de
anunciar a Palavra de Deus. Jesus, no Evangelho de São Marcos, inicia seu
ministério com a palavra forte e provocante: “Completou-se o tempo, e o Reino
de Deus está próximo. Convertei-vos e crede na Boa-Nova” (Mc 1, 15). E chama
discípulos, anda por toda parte fazendo curas e prodígios, e ele próprio é a
novidade que se anuncia! E seus discípulos de todos os tempos se tornam
“pescadores de homens”, que seguem o Senhor e se dispõem a ir até os confins da
terra. São Apóstolos, Missionários, Mártires, Confessores da Fé, Virgens consagradas,
Famílias Missionárias! Cabe tudo muito bem no impulso evangelizador do Apóstolo
das Gentes, São Paulo, celebrado no dia vinte e cinco de janeiro, aquele que
não conheceu fronteiras para o anúncio do Evangelho de Jesus Cristo até os
confins da terra.
De alma aberta, Paulo se dirigiu a seu amigo Timóteo,
instando na responsabilidade missionária: “Diante de Deus e do Cristo Jesus que
vai julgar os vivos e os mortos, eu te peço com insistência, pela manifestação
de Cristo e por seu reinado: proclama a Palavra, insiste oportuna ou
inoportunamente, convence, repreende, exorta, com toda a paciência e com a
preocupação de ensinar. Pois vai chegar um tempo em que muitos não suportarão a
sã doutrina, mas conforme seu gosto se cercarão de uma série de mestres que só
atiçam o ouvido. E assim, deixando de ouvir a verdade, eles se desviarão para
as fábulas. Tu, porém, vigia em tudo, suporta as provações, faze o trabalho de
um evangelizador, desempenha bem o teu ministério (2 Tm 4, 1-5).
Não há tempo a perder (Cf. 2 Cor 7, 29-31). A missão a ser
vivida exige grande abertura para a realidade das pessoas, capacidade de
diálogo, valorização da sede de Deus (Cf. Jo 4, 1-26) existente no coração
humano, criatividade, zelo intenso para ir ao encontro dos outros, onde quer
que se encontrem. Aos cristãos cabe a tarefa de buscar e encontrar novas
soluções para os problemas, pelo fato de que anunciam aquele que em seu
Mistério de Morte e Ressurreição é fonte inesgotável de vida. É sua
responsabilidade dar o primeiro passo, visitar, insistir, perdoar, exercer o
serviço da misericórdia, pois sua fé professa que Deus nos amou por primeiro
(Cf. 1 Jo 4, 19)!
Texto: Dom Alberto Taveira
Corrêa / Arcebispo de Belém do Pará (PA)
Fonte: CNBB
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