Hoje nós da Santa Igreja Católica acolhemos
Jesus como Senhor e Salvador, filho amado de Deus-Pai, mas quando esse mesmo
Jesus se fez homem como será que foi recebido, como terá sido apresentado às
primeiras comunidades.
"Um menino nos foi dado...” O Messias-Criança para a comunidade
de Mateus
O evangelho da comunidade de Mateus começa da
seguinte maneira: "Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de
Abraão". "Filho de Abraão" quer dizer que Jesus é membro do povo
de Israel. Sobre "filho de Davi" vamos falar mais adiante. Mas o que
dizer da palavra "origem"?
Poderíamos pensar que ela está se referindo à genealogia que vem logo a
seguir. Mas não. É o livro inteiro, o evangelho todo, que fala da
"origem" de Jesus.
E então vemos algo muito interessante. O
evangelho não é uma obra acabada, mas ele narra apenas o começo da história de
Jesus, aquela parte em que ele se mostrou visível, nascido em situação muito
complicada, pregando a boa notícia do reino e de sua justiça, acolhendo os
pobres e marginalizados, e por isso sendo morto.
Mas isso é só o começo da história. O que
importa é a certeza que a comunidade tem de que ele está vivo, presente no meio
dela. Ela é e deve ser sinal de que Ele está vivo e presente. Aliás, esta convicção
é expressa com muita firmeza (Mt 18,20; 28,20). Jesus presente no meio da
comunidade é Deus presente (Mt 1,23). Assim, a primeira coisa a ser dita de
Jesus é que ele não é figura do passado, mas presença viva do próprio Deus na
vida da comunidade.
Mas isso é pouco. Para a comunidade de Mateus
não bastava afirmar a presença de Jesus no seu meio. Essa realidade provocou
uma grande transformação na maneira de a comunidade ver o mundo, entender a
vida e os desafios do cotidiano. Mudou radicalmente o jeito de a comunidade avaliar
a ação do império, as idéias religiosas, as práticas em torno da Lei. Tudo isso
que então constituiu o modo de a comunidade seguir a Jesus aparece no evangelho
na própria ação do Cristo, ou seja, do messias que a comunidade reconhece.
Chamamos a atenção aqui para alguns dos aspectos mais significativos neste
sentido.
Para a
comunidade de Mateus as Escrituras marcam o viver do dia-a-dia. A interpretação
dos preceitos da Lei de Moisés orienta o caminho. Por isso não é estranho que a
comunidade trate de compreender a pessoa e a ação de Jesus à luz deste passado.
E aí fica claro o sentido de uma frase como "Não pensem que eu vim abolir a Lei e os
Profetas. Eu não vim abolir, mas completar" (Mt 5,17). "A Lei e os
Profetas" era uma expressão para designar o conjunto das
Escrituras. A comunidade entende que Jesus não está em ruptura com o passado
libertador e profético de Israel. Mas ao mesmo tempo sabe que a tarefa não é a
de apenas ficar repetindo o passado. Por isso fala de Jesus como alguém que
veio "completar" aquilo que tinha vindo da história do povo.
E mais ainda: já que a comunidade está em
conflito com os escribas e fariseus que determinam um modo de compreender e
aplicar a Lei de Moisés, ela vai apresentar Jesus como aquele que propõe um
entendimento e vivência mais radical desta mesma Lei, tendo em vista superar
"a justiça dos escribas e fariseus" (Mt 5,20). Não é à toa que já no
capítulo 2 Jesus é apresentado fugindo para o Egito, escapando do rei Herodes,
tal qual tinha acontecido a Moisés muito tempo antes. Esta aproximação entre
Jesus e Moisés é proposta pela comunidade para mostrar que a missão de ambos é
semelhante, e recordar a ação libertadora de Moisés ajuda a compreender o
sentido da ação de Jesus, o novo Moisés da comunidade.
Mas Jesus é apresentado, desde o início, como o "filho de
Davi".
Esta expressão tem um sentido todo especial. Designa o messias, aquela figura
ungida por Deus e reconhecida pelo povo como seu libertador, esperada por muita
gente. Mas a coisa não é simples. O que significou para a comunidade de Mateus
chamar Jesus de "filho de Davi"? O povo de Israel tinha várias lembranças
de Davi. Havia o Davi rei, o mais
conhecido, aquele que unificou as tribos em torno de um único domínio. Havia também o Davi guerreiro, líder popular,
que tinha reunido a seu redor um grupo de pessoas endividadas e empobrecidas.
Ainda o Davi pastor, o pequeno que Deus escolhera. Qual imagem de Davi é
assumida pela comunidade de Mateus? A genealogia deixa muito clara a escolha: é
a de Davi rei (Mt 1,6).
Mas a comunidade rompe com a imagem
costumeira do Davi rei. Não se trata da figura do rei triunfal e glorioso, mas
a do rei que não mede esforços para satisfazer seus caprichos e por isso manda
matar o marido para ficar com a esposa que ele tinha engravidado. É o Davi que
tem como antepassadas mulheres que romperam com a marginalização, e para isso
transgrediram a Lei; e de Tamar o patriarca Judá foi obrigado a dizer "Ela
é mais justa do que eu" (Gn 38,26). Um Davi que não vem da prepotência
patriarcal, mas da luta das mulheres e da justiça que se consegue pela ousadia
e pela coragem.
É deste Davi que Jesus é filho, é destas
mulheres que Jesus é descendente. Assim a comunidade compreende que para que
seu nascimento fosse possível também foi necessário coragem e ruptura dos
padrões estabelecidos (veja Mt 1,18-25). Então: Jesus, messias, filho de Davi, sim. Mas um messias
que nasce na contramão, e que vai fazer seu caminho na contramão, propondo a
justiça que vai além daquilo que está estabelecido, que inclui quem está
excluído, que sugere novas relações e práticas a serem realizadas a partir do
resgate de tradições e valores da Lei e das Escrituras.
Isso aponta para a questão da exclusão, que
marcou fundo a comunidade e seus compromissos concretos. Era necessário agir e
criar formas reais de solidariedade. Jesus não só nasceu a partir de tantas
histórias de exclusão e de superação das exclusões. Mas ele viveu com excluídos
e excluídas, pelo sistema social e por práticas realizadas em nome da Lei e da
religião. Foi solidário. Foi morto por causa de seu compromisso. A comunidade
de Mateus tem muita clareza quanto a isso.
E é por esta razão que cada vez mais a figura
de Jesus apresentada pela comunidade em seu evangelho vai assumindo os rostos
da gente sofrida que a comunidade tanto conhecia. O texto de Mt 25,31-46 é o
que deixa isso mais claro: "tive fome, tive sede, era migrante, estava nu,
doente e preso...". Reconhecer a presença de Jesus nas pessoas que vivem
estas realidades dramáticas não muda a maneira de vê-lo, compreendê-lo e
experimentá-lo na própria vida?
Resumindo, para a comunidade não bastava
falar a respeito de Jesus, que ele era o messias, o filho de Davi, ou ainda o
novo Moisés. Cada uma destas afirmações carregava muito conteúdo, e indicava
formas muito concretas de a comunidade se situar diante da realidade e dos
desafios que o dia-a-dia colocava.
Pedro Lima Vasconcelos
Doutorando
em Ciências da Religião, assessor do CEBI-SP, professor da PUC-SP, Instituto
Teológico Pio XI e Instituto do Sagrado Coração
Rafael Rodrigues da
Silva
Mestre
em Ciências da Religião, assessor do CEBI-SP, professor da PUC-SP, Instituto
Teológico Pio XI, Instituto do Sagrado Coração e ITESP
Foto retirada
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
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É muito frágil a comparação de Jesus com Moisés. Este é do rigor da Lei sem coração: "quem trabalhar no sábado será condenado a morte". Aquele é da misericórdia: pensais que aqueles que morreram sob a torre de Siloé eram mais pecadores? digo-vos que não". Moisés não se abalava se o israelita morreu porque tocou a mão na arca. Moisés era insensível às agruras humanas. Sob Moisés a humanidade teria fenecido caso se tornasse o nosso juiz. Não havia a expressão "Lei e os profetas" Foi necessidade de tradução. Era porque não há em nosso idioma palavra para traduzir "Tanak".
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