Quem se acusa a si mesmo, por mais que lhe venham importunações,
danos, opróbrios, afrontas da parte de quem quer que seja, tudo recebe com
serenidade e, julgando-se merecedor de tudo isso, sem que possa perturbar-se de
modo algum. Quem mais tranquilo do que este homem?
Talvez haja quem objete: “E se, quando um irmão me aflige,
procuro e não vejo ter-lhe dado motivo para isto, por que então hei de me
acusar?”
Na verdade, se alguém com temor de Deus se examina com
cuidado, nunca se julgará, de todo, inocente e verá que o motivo está em algum
ato seu, palavra ou gesto. Se em nada se achou culpado, talvez em outra ocasião
o tenha aborrecido em coisa parecida ou diferente. Ou ainda, quem sabe,
maltratou outro irmão. Com razão deve sofrer por isto ou por outros pecados,
tão numerosos, que cometeu. Perguntará alguém por que se acusar quando, quieto
e sossegado, é molestado por palavras ou gestos ofensivos de um irmão. Não
podendo suportar nada disso, julga-se com direito de se irritar. Pecaria, se
porventura não se desse esse encontro e essa palavra?
Isto é ridículo e é claro que não se apoia em motivo algum.
Não foi por ter dito uma palavra qualquer que se lhe suscitou a paixão da
cólera, mas, antes, revelou a paixão oculta que o minava; dela, se quiser, faça
penitência. Este tal se fez semelhante a um pão branco, belo e todo limpo, que,
ao ser cortado, mostra estar sujo por dentro.
Do mesmo modo, se alguém se julga quieto e pacífico, tem, no
entanto, uma paixão que não vê. Chega um irmão, lança uma palavra desagradável
e imediatamente lhe jorra de dentro o pus e a sujeira oculta. Se quiser
alcançar a misericórdia, faça penitência, purifique-se, esforce-se por
progredir e reconheça que, em vez de retrucar à injúria, deveria agradecer ao
irmão ocasião de tão grande utilidade. Depois disso, não se afligirá tanto com
as tentações, pois quanto mais progredir, tanto mais lhe parecerão leves. A
alma se fortalece à medida em que caminha, faz-se mais corajosa em suportar
todas as coisas duras que lhe advêm.
São
Doroteu de Gaza (505 / 565)
Abade
Fonte: Liturgia das Horas
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Ricardo Feitosa e Marta Lúcia
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