Um fato notável: o rio Jordão, no seu curso, forma dois
mares – o mar da Galileia e o mar Morto. O mar da Galileia é borbulhante de vida,
com águas das mais piscosas da terra. O mar Morto é precisamente “morto”: não
há rastro de vida nem nele nem ao redor; somente sal. E se trata da mesma água
do Jordão! A explicação, pelo menos em parte, é esta: o mar da Galileia recebe
as águas do Jordão, mas não as retém para si; deixa fluírem, para irrigarem
todo o vale do Jordão. Já o mar Morto recebe as águas e as retém para si, não
tem efluentes, dali não sai uma gota. É um símbolo. Para receber o amor de
Deus, devemos dá-lo aos irmãos, e, quanto mais damos, mais recebemos. É sobre
isto que refletiremos nesta meditação.
Depois de refletir nas duas primeiras meditações sobre o
amor de Deus como dom, é hora de meditarmos também sobre o dever de amar; e, em
particular, sobre o dever de amar o próximo. O vínculo entre os dois amores é
exposto de modo programático na palavra de Deus: “Se Deus nos amou tanto, nós
devemos amar-nos uns aos outros” (1Jo 4,11).
“Amarás o próximo como a ti mesmo” era um mandamento antigo,
escrito na lei de Moisés (Lev 19,18) e Jesus mesmo o cita como tal (Lc 10,27).
Então como é que Jesus o chama de “seu” mandamento e de mandamento “novo”? A
resposta é que mudaram o sujeito, o objeto e o motivo do amor ao próximo.
Mudou antes de tudo o objeto: quem é o próximo que deve ser amado.
Não é mais só o compatriota, ou o hóspede que habita em meio a nós, mas todos
os homens, inclusive o estrangeiro (o samaritano!), inclusive o inimigo! É
verdade que a segunda parte da frase “Amarás o teu próximo e odiarás o teu
inimigo” não se encontra ao pé da letra no Antigo Testamento, mas assume a sua
orientação geral, expressa na lei de talião “Olho por olho, dente por dente”
(Lev 24,20), ainda mais se confrontada com o que Jesus nos exige:
“Mas eu vos digo: amai os vossos inimigos e rezai por quem
vos persegue, para serdes filhos do vosso Pai que está nos céus; pois ele faz
nascer o sol sobre maus e bons, e chover sobre justos e injustos. Se amais os
que vos amam, que mérito tendes? Não fazem o mesmo os publicanos? E se saudais
somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Assim não agem também
os pagãos?” (Mt 5,44-47).
Mudou também o sujeito do amor ao próximo, o significado da
palavra próximo. Não é o outro; sou eu. Não é quem está perto, mas quem se
aproxima. Com a parábola do bom samaritano, Jesus demonstra que não devemos
esperar passivamente que o próximo surja em nosso caminho, dando seta e de
sirene ligada. O próximo é você, ou aquele que você pode se tornar. O próximo
não existe de cara; só temos um próximo se nos aproximamos de alguém.
E mudou, mais do que tudo, o modelo ou a medida do amor ao
próximo. Antes de Jesus, o modelo era o amor a si mesmo: “como a ti mesmo”. Foi
dito que Deus não podia amarrar o amor ao próximo numa estaca melhor que esta;
não teria atingido o mesmo resultado nem se tivesse dito “Amarás o próximo como
ao teu Deus”, porque quanto ao amor de Deus, ou seja, quanto ao que é amar a
Deus, o homem ainda pode trapacear, mas quanto ao amor a si mesmo, não. O homem
sabe perfeitamente o que significa, em qualquer circunstância, amar a si mesmo;
é um espelho que está sempre diante dele[1].
Mas é possível enxergar mal até o amor a si mesmo. Por isso
Jesus substitui o modelo e a medida por outro: “Este é o meu mandamento: que
vos ameis uns aos outros como eu vos amei” (Jo 15,12). O homem pode amar a si
mesmo do jeito errado, desejando o mal em vez do bem, o vício e não a virtude.
Se um homem desses ama o próximo como a si mesmo e quer para ele o mesmo que
quer para si, pobre de quem é amado! Já o amor de Jesus, sabemos aonde nos
leva: à verdade, ao bem, ao Pai. Quem o segue “não anda nas trevas”. Ele nos
amou dando a vida por nós, quando éramos pecadores, ou seja, inimigos (Rom
5,6).
Entende-se assim o que o evangelista João quer dizer com a
afirmação aparentemente contraditória: “Caríssimos, não vos escrevo um
mandamento novo, mas um mandamento velho, que tínheis desde o princípio: o
mandamento velho é a palavra que ouvistes. E é, no entanto, um mandamento novo
o que vos escrevo” (1Jo 2,7-8). O mandamento do amor ao próximo é antigo na
letra, mas novo pela novidade do evangelho. Novo, explica o papa num capítulo
de seu mais recente livro sobre Jesus, porque não é mais só “lei”, mas também,
e antes, “graça”. Funda-se na comunhão com Cristo, possível pelo dom do Espírito[2].
Com Jesus, passamos da lei do contrapasso, ou entre dois
agentes (“O que o outro te faz, fá-lo a ele”) para a lei do trapasso, entre
três agentes: “O que Deus te fez, fá-lo ao próximo”, ou, na direção oposta, “O
que fizeres com o próximo, Deus fará contigo”. Jesus e os apóstolos repetem
este conceito: “Como Deus vos perdoou, perdoai-vos uns aos outros”. “Se não
perdoardes de coração aos vossos inimigos, nem vosso pai vos perdoará”. É
cortada pela raiz a desculpa do “mas ele não me ama, me ofende”. Isto diz
respeito a ele, não a você. A você interessa o que você faz ao outro e como
você se comporta diante do que ele faz a você.
Resta a principal pergunta: por que esta singular mudança de
rota do amor de Deus ao próximo? Não seria mais lógico “Como eu vos amei, amai
a mim” em vez de “Como eu vos amei, amai-vos uns aos outros”? Pois esta é a
diferença entre o amor puramente eros e o amor que é eros e ágape juntos. O
amor puramente erótico é um circuito fechado: “Ama-me, Alfredo, ama-me como eu
te amo”, canta Violeta na Traviata de Verdi: eu te amo, tu me amas. O amor de
ágape é um circuito aberto: vem de Deus e volta a ele, mas passando pelo
próximo. Jesus inaugurou ele próprio esse novo tipo de amor: “Como o Pai me
amou, eu amei a vós” (Jo 15,9).
Santa Catarina de Sena deu sobre o motivo disto a explicação
mais simples e convincente. Ela escreve o que considera que Deus quer:
“Eu vos peço amar-me com o mesmo amor com que vos amo. Mas
não podeis, já que vos amei sem ser amado. Todo o amor que me tendes é de
dívida, não de graça, porque devestes amar-me, enquanto eu vos amo com amor de
graça, e não de dívida. Não podeis, pois, dar a mim o amor que vos peço. Eis
por que vos pus ao lado o vosso próximo: para lhe fazerdes o que a mim não
podeis, que é amá-lo sem consideração de mérito nem à espera de utilidade. E
considero que fazeis a mim o que fizerdes a ele”[3].
Notas:
[1]. Cf. S. Kierkegaard, Os
atos do amor, versão italiana, Milão, Rusconi, 1983, p. 163.
[2]. Bento XVI, Jesus de
Nazaré, II Parte, Livraria Editora Vaticana, 2011, p. 76.
[3]. S. Catarina de Sena,
Diálogo 64.
Fonte: cantalamessa.org/?p=254&lang=pt
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